Advogado brasileiro alerta sobre prática ilegal e indica caminhos legais no Japão

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Tóquio – Todo advogado estrangeiro que queira atuar em sua profissão no Japão precisa ser licenciado. Para isso, deve atender a vários requisitos burocráticos, num processo rigoroso que leva pelo menos dois anos junto à Japan Federation of Bar Associations (JFBA), para obter a autorização do Ministério da Justiça. Já o advogado brasileiro que está atendendo sem ter licença está cometendo um crime. Veja os riscos que um cliente corre ao procurar um advogado não licenciado.

O sistema foi criado em 1987, quando o Japão começou a abrir o mercado jurídico para advogados estrangeiros, acompanhando a globalização econômica. Hoje, muitos “Gaikokuho Jimu Bengoshi” atuam em Tóquio e Osaka, especialmente em escritórios multinacionais que atendem empresas com operações internacionais.

No Japão existem pelo menos quatro advogados estrangeiros formados no Brasil e que são licenciados. Um deles é Antonio Kotaro Hayata, que advoga desde 1996 no Brasil sob o registro da Ordem dos Advogados do Brasil, na seção São Paulo sob o número 138086, e na Tokyo Bar Association sob o registro G1254. No país existem ainda três outros advogados brasileiros, mas que se formaram em universidades japonesas.

“A legislação japonesa permite que advogados estrangeiros atuem focados nas leis de seus países de origem, estando registrados no Bengoshikai, que é a associação dos advogados. No meu caso, atuo dentro do Direito brasileiro”, explica Hayata. Para conseguir a licença, o advogado passa por um processo rígido, tendo de provar que atuou na profissão em seu país de origem, além de sua idoneidade, contando até com carta de referência de colegas japoneses.

Além de toda documentação exigida, o advogado deve também provar que tem condições financeiras de se manter na área, exibindo seu saldo bancário, mantendo um escritório com suas contas em dia, mesmo antes de receber a licença. “Não pode ser qualquer lugar. O escritório precisa ter um arquivo para guardar os documentos dos clientes e uma sala de reuniões onde é possível manter sigilo sobre o que será conversado ali”, explica.

Além disso, o advogado estrangeiro precisa fazer um seguro próprio para cobrir qualquer possível falha que prejudique seu cliente. “É preciso manter tudo isso antes de entrar com pedido de registro no Ministério da Justiça. Quando sai a autorização, ela é publicada no diário oficial do Japão, e então você obtém seu registro no Bengoshikai, além de pagar taxas de associação a esta entidade, que são altas, entre outras exigências”, relata Hayata.

Não bastasse todo esse rol de exigências, o advogado estrangeiro licenciado precisa se reportar ao Ministério da Justiça e à Federação dos Advogados todos os anos para reapresentar as suas credenciais e as atividades nas quais atua, se é consultoria, em qual ramo, entre outras informações. Ao obter a sua licença, o advogado pode atuar em qualquer área do Direito, como a tributária, comercial ou cível. “Mas tudo com relação ao Direito do Brasil, não do Japão. É por isso que o advogado estrangeiro precisa ter um parceiro japonês”, acrescenta.

Uma restrição ao advogado estrangeiro licenciado é não poder defender seu cliente em um tribunal em casos criminais. Além de ter parceria com advogados japoneses, Hayata procura se aproximar dessa área para estar bem informado sobre o que ocorre com brasileiros na área criminal. “Para isso, trabalho também como tradutor-intérprete em ambientes judiciais, como tribunal, alfândega e delegacias, para auxiliar numa melhor comunicação entre os clientes e os advogados japoneses”, explica.

Sem licença é crime

A Lei da Advocacia estabelece critérios rigorosos para a qualificação profissional e impõe normas disciplinares para assegurar a conduta ética e a execução responsável do trabalho jurídico. Os advogados não licenciados que insistem em atender clientes estão interferindo indevidamente em processos legais, podendo resultar em prejuízos aos clientes desavisados, segundo Hayata.

O artigo 72 da Lei da Advocacia foi criado para coibir tal prática, e a violação da norma pode resultar em punição criminal ao infrator, conforme o artigo 77, que prevê reclusão de até dois anos ou multa de até três milhões de ienes. Ou seja, advogado formado no Brasil, mas que ainda não é licenciado no Japão, não pode, com o objetivo de obter remuneração, oferecer consultoria, representação, arbitragem, conciliação ou qualquer tipo de intermediação em processos judiciais. “No caso de punição, o fato será informado ainda à OAB onde o advogado está registrado”, acrescenta Hayata.

“No entanto, não sei se por desconhecimento ou má-fé, o que mais vejo são advogados não licenciados atuando publicamente no Japão, fazendo propaganda em mídias sociais e revistas da comunidade”, alerta, citando casos assim em Tóquio, Gunma, Aichi e Mie.

Hayata explica que o advogado não pode fazer propaganda maciça para captar clientes. Pode fazer palestras e, se alguma pessoa entrar em contato, pode atendê-la naquilo que ela precisa. “Sei de pessoas que não tiram a licença alegando não dominar o idioma japonês. Mas conheço uma advogada que não domina a língua japonesa e que é licenciada. Procurar um advogado licenciado é uma proteção que o cliente tem. Os honorários cobrados são combase em uma tabela do Bengoshikai”, esclarece.

O cliente que busca um advogado não licenciado no Japão está contratando um profissional que não vai entregar o serviço que ele espera, afirma Hayata. “E depois vai reclamar para quem? Esse cliente vai perder dinheiro e tempo”, alerta, citando que os brasileiros podem contar com o auxílio do Hou Terasu, ou Centro de Suporte Legal do Japão, onde as pessoas conseguem assistência jurídica gratuita, inclusive com intérprete em português. Hayata também atua como intérprete neste Centro (o telefone do serviço de informação multilíngue do é 0570-078377 (segunda a sexta, das 9h às 17h). Segundo Hayata, é possível denunciar infratores em alguma unidade do Bengoshikai ou em delegacias de polícia.

Diferenças entre Brasil e Japão

Existem muitas diferenças entre o Direito praticado no Japão e no Brasil. O problema, segundo Hayata, é que alguns brasileiros vivendo no Japão acreditam que as leis locais são como as do Brasil. “Isso fica claro na legislação trabalhista. No Brasil ela é paternalista, o que não acontece no Japão. Alguns brasileiros reclamam, mas assinam papéis sem entender o que está escrito. Quando uma empreiteira contrata um temporário por dois ou três meses, não cria vínculo trabalhista, como seria em um contrato de longa duração.”

“Por não entenderem assim, alguns brasileiros querem entrar com ação contra a empreiteira. Mas o meu estilo de trabalhar é dar a solução mais economicamente viável para o cliente, lembrando que cada caso é diferente. Claro que tem empresas ruins, assim como trabalhadores ruins, além das boas empresas e bons empregados”, afirma. As mulheres grávidas no Japão não têm a mesma estabilidade garantida no Brasil. Mas supondo que ela faça trabalho temporário por contratos curtos, “se ela trabalhar um ano na mesma empresa, somando contratos de curta duração, conseguirá provar um vínculo”, explica.

Outro ponto é a discussão entre casais sobre guarda dos filhos. “Embora os juízes japoneses reconheçam a lei brasileira sobre o assunto e permitam a guarda, eles geralmente orientam que essa questão seja resolvida no Brasil, sendo necessário homologar o divórcio e a guarda nos dois países”, afirma.

Para Hayata, outra diferença é encontrada na área de pensão alimentícia, cujo valor acertado para uma das partes é “muito baixo”, com base em uma tabela. “O problema é que se o ex-marido mudar de emprego ou de conta bancária, a mulher terá de entrar com uma nova ação para obter a pensão. Ao registrar o divórcio e as condições de pensão no Brasil, caso o devedor não pague, será emitido um mandado de prisão contra ele”, esclarece Hayata.

O advogado lembra, porém, que o pagamento de pensão se limita até o filho completar 18 anos e não estiver estudando. “Mas se seguir os estudos em uma universidade, por exemplo, o pagamento deverá ser feito até os 24 anos de idade. Como se vê, existem muitas diferenças entre as leis do Brasil e do Japão que as pessoas precisam entender”, finaliza.

Entenda

O advogado estrangeiro licenciado para atuar no Japão é conhecido oficialmente como Gaikokuho Jimi Bengoshi (外国法事務弁護士), que significa “advogado registrado para atuar em direito estrangeiro”. É um status que permite que profissionais de outros países exerçam a advocacia de forma limitada e regulamentada, respeitando as leis japonesas.

O advogado estrangeiro licenciado pode:  

-prestar consultoria jurídica sobre o direito de seu país, no caso, o Brasil;

-atuar em casos internacionais, especialmente quando há conexão entre o Japão e outro país, como no caso de contratos, investimentos ou litígios internacionais ;

-colaborar com escritórios de advocacia japoneses, dando acessoria técnica em direito estrangeiro dentro de empresas locais ou internacionais;

-para assuntos envolvendo a legislação japonesa, é necessária a participação de um Bengoshi, ou advogado japonês autorizado.

Registro

Para se tornar um advogado estrangeiro licenciado no Japão, o profissional precisa:

  1. Ser advogado legalmente habilitado em seu país de origem.
  2. Ter pelo menos três anos de experiência prática no exercício da advocacia — sendo que pelo menos dois anos devem ser fora do Japão.
  3. Passar por um processo de registro oficial junto à Japan Federation of Bar Associations (JFBA), que avalia documentos, experiência e conduta profissional.
  4. Ter endereço fixo no Japão e comprovar capacidade para exercer a profissão.

Foto: Cedida

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