Trio descobre como o corpo evita atacar a si mesmo e vence o Nobel de Medicina 2025

Estocolmo/Tóquio – Os cientistas Shimon Sakaguchi, Mary E. Brunkow e Fred Ramsdell receberam o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina de 2025 nesta segunda-feira (6). Eles apresentaram uma descoberta sobre a tolerância imunológica periférica, que explica como o sistema imunológico poupa células saudáveis, abrindo caminho para novos tratamentos contra doenças autoimunes e câncer.
O sistema imunológico tem a função de defender o corpo contra invasores como vírus, bactérias e células tumorais, mas sem atacar seus próprios tecidos. Quando isso falha, o organismo passa a se voltar contra si mesmo, originando doenças autoimunes como diabetes tipo 1, lúpus, artrite reumatoide e esclerose múltipla.
A pesquisa do trio esclareceu como o corpo controla esse “freio” da resposta imune fora dos órgãos centrais.
Células T reguladoras e tolerância imune periférica
O japonês Shimon Sakaguchi identificou as células T reguladoras, também conhecidas como Tregs, um tipo de célula imune que freia respostas perigosas e impede que o corpo ataque seus próprios tecidos. Elas mantêm o equilíbrio do sistema imunológico.
Sakaguchi também demonstrou que as Tregs produzem uma proteína chamada CD25, o que permitiu identificá-las em laboratório.
Os norte-americanos Mary Brunkow e Fred Ramsdell descobriram que mutações no gene FOXP3 causam falhas na formação e no funcionamento dessas células, resultando em doenças autoimunes graves tanto em animais quanto em humanos. O FOXP3 é hoje entendido como um interruptor essencial que transforma uma célula T comum em uma célula T reguladora funcional.
Essas descobertas revelaram o mecanismo da chamada tolerância imune periférica, responsável por evitar que o organismo ataque células saudáveis mesmo quando algumas células imunes agressivas escapam do controle central.
Olle Kämpe, presidente do Comitê Nobel, escreveu no site oficial do prêmio: “Suas descobertas foram decisivas para nossa compreensão de como o sistema imunológico funciona e por que nem todos desenvolvemos doenças autoimunes graves.”
Importância das descobertas
As pesquisas dos laureados inauguraram uma nova área de estudo no campo da tolerância periférica, estimulando o desenvolvimento de tratamentos médicos para câncer e doenças autoimunes, além de possibilitar transplantes de órgãos mais bem-sucedidos.
Vários desses tratamentos estão atualmente em fase de testes clínicos.
Doenças autoimunes
A descoberta pode restaurar a função das Tregs, reduzindo respostas imunes exageradas. Isso pode beneficiar pacientes com lúpus, esclerose múltipla, artrite reumatoide, diabetes tipo 1 e outras doenças do tipo.
Transplantes de órgãos
O uso de Tregs pode evitar a rejeição de órgãos transplantados, diminuindo a necessidade de medicamentos imunossupressores fortes. Quando as Tregs funcionam adequadamente, o corpo tende a aceitar melhor o novo órgão.
Terapias contra o câncer
Em alguns casos, reduzir ou modular a ação das Tregs pode permitir que o sistema imunológico ataque mais eficazmente as células tumorais — uma estratégia que já inspira novas imunoterapias usadas em câncer de pulmão e melanoma.
Síndromes genéticas raras
Em doenças causadas por mutações no FOXP3, como a síndrome IPEX, uma condição autoimune severa, as descobertas explicam a causa molecular e apontam caminhos para intervenções terapêuticas mais eficazes.
Casos práticos
Antes dessa descoberta, médicos não compreendiam por que algumas crianças nasciam com inflamações graves que destruíam órgãos ainda nos primeiros meses de vida. Hoje se sabe que muitas delas apresentam mutações no FOXP3, e isso permite diagnóstico rápido e tratamento precoce, com transplante de medula óssea ou terapias gênicas experimentais.
Em doenças como artrite reumatoide e esclerose múltipla, o corpo ataca articulações ou o sistema nervoso. Pesquisas atuais buscam aumentar o número e a força das Tregs, de modo a “acalmar” o sistema imune. Estão em andamento estudos com vacinas de Tregs, transplantes celulares e medicamentos que ativam essas células, oferecendo controle das doenças sem eliminar completamente a imunidade do paciente — o que ainda ocorre com os imunossupressores tradicionais.
Nos transplantes, terapias baseadas em Tregs podem ensinar o corpo a aceitar órgãos novos sem exigir doses altas de imunossupressores, reduzindo o risco de infecções e melhorando a qualidade de vida dos transplantados.
Já em casos de câncer, os cientistas estudam como bloquear temporariamente as Tregs quando sua atuação excessiva impede o corpo de combater tumores. Assim, o sistema imunológico pode reagir com mais força contra as células malignas.
Graças à descoberta de Sakaguchi, Brunkow e Ramsdell, a imunologia moderna entende quem controla o “freio” do sistema imunológico, por que esse freio às vezes falha e como restaurá-lo ou ajustá-lo.
Esses avanços moldam hoje as pesquisas sobre autoimunidade, transplantes e imunoterapia contra o câncer em todo o mundo.
Foto: Banco de Imagens